Teoria do apego no Brasil, o buraco de um desmame infeliz
Durante o último século Melanie Klein, Margareth Mahler e mais alguns pensadores-pesquisadores do comportamento humano descobriram que o bebê era um indivíduo e não merecia ser tratado como objeto, não merecia apanhar ao nascer, nem ser separado da mãe com brutalidade ou educado com violência, mas compreendido em suas necessidades, observado em seus choros, ser atendido de acordo com seu desenvolvimento bio-psíquico-motor. Melanie Klein debruçou-se sobre o bebê e seus desejos, seu sono onírico após receber o aconchego do leite morno, o embalo no colo, que representaria para ele uma espécie de ilusão de volta ao útero, ilusão que bem atendida só traria benefícios a ele.
Margareth Mahler dedicou sua vida a observar o comportamento dos bebês na fase de simbiose - vivida no útero e nos primeiros 3 meses de vida -, e da dessimbiotização a partir dos 3 meses. Perto dos seis meses os bebês observados por ela em 20 anos de pesquisa em settings terapêuticos, já apresentavam uma maior interação com as pessoas e passariam a viver a partir daí crises de diferenciação e separação, até que por volta dos dois anos se tornavam aptos para entenderem-se como seres separados de suas mães, já não vistas como uma espécie de extensão do corpo deles, mas alguém que vai e volta e tem seu próprio corpo. É a fase em que as crianças apontam para o próprio nariz ou o peito e dizem cheias de motivação: eu!
Nos últimos anos releituras nacionais e internacionais mais palatáveis para o senso comum foram introduzidas fazendo surgir um certo enternecimento mamário que aliou-se mal a boas pesquisas antropológicas sobre comportamento humano em tribos ancestrais. Pronto, dessa salada russa nasceu a onda de enaltecer a amamentação desconsiderando a premissa fundamental de que a amamentação de um bebê de até seis meses, quando ainda não se alimenta de outras fontes e portanto deve ser em livre demanda, é igual a de um bebê de 12 meses, já apto para comer a comida da mesa de sua família.
Complexo abordar a importância do desmame sadio, a termo, alegre e bem resolvido em um país em que os índices de desmame precoce são alarmantes, mas negar a importância do desmame em nome do mal feito da precocidade não é uma falta menos grave.
Esse segundo ano de vida do bebê humano civilizado, contracultural, está se tornando um vício oral, uma remissão oral. Não faltam mães gritando que a criança não quer comer, que prefere o peito acima de tudo. Incentivados a mamar 7, 8 vezes ao dia, como um bebê de 6 meses, os bebês que já andam, balbuciam as primeiras palavras e poderiam ser razoavelmente alimentados com leite materno e outras comidas, acabam chegando ao terceiro ano de vida literalmente presos ao peito de sua genitoras como se tivessem poucos meses de vida. Conscientes de seu próprio "eu" aos três anos, o desmame vira um campo de batalha, a criança sabe que é separada da mãe, mas vive a onipotência de exigir os peitos antes e depois das refeições, em qualquer lugar, com ataques de birra e choro desesperado. Vivem os bebês um conflito cultural imposto em nome do afeto e têm a difícil tarefa de decidirem sozinhos intercalar as mamadas, hábito prazeroso que significou para eles a própria sobrevivência durante os primeiros meses após o nascimento, hábito vital para repararem a dor da perda de simbiose absoluta com a mãe no útero.
O principal argumento das aleitadoras a perder de vista é que Sigmund Freud era um idiota e sexualizava o peito, que a amamentação em livre demanda, na hora que a criança pede (?), deve ser mantida porque antigamente nas tribos a criança mamava até 7 anos. Como se amamentar uma criança de 7 anos não fosse manter um grau de simbiose altíssimo, como se os primeiros dois, três anos de vida do bebê não fossem já comprovadamente suficientes para ele compreender que é separado da mãe, apto para a vida sem o leite exclusivo de uma única pessoa no mundo. Como se a entrada na fase de autonomia, entre 2 e 4 anos, não exigisse uma soltura desse laço direto com o leite da mãe, como se o suor, o corpo a corpo, o colo, a atenção real, as brincadeiras, o enxergar e viver ao lado de uma criança maior, não fossem suficientes para acalentá-la e fazer com que se sinta amada o bastante de forma justa e honesta.
As brasileiras conseguem sair de um extremo de desmame precoce, abrupto, com índices vergonhosos, para um problema novíssimo em nome da teoria do apego, que nada mais é do que a manutenção da criança em uma fase que ela já não vive em seu corpo biológico, em sua fase cronológica, em seu direito de ser indivíduo, dependente da mãe e de cuidados exteriores, mas com mais autonomia e atenção outras, até mais complexas em termos de qualidade. A criança maior torna-se, em nome do afeto, refém de uma fonte de alimento que só a mãe pode dar, em uma fase em que pode e desfruta de comer sozinha até com talheres.
E sobre Freud, que nem é a minha praia, ele está sendo muito mal interpretado de qualquer maneira porque amamentação é um ato da sexualidade humana sim, mas isso nem vem ao caso e nem tem nada a ver com bebês tarados e outras sandices. A sexualidade na amamentação tem a ver com prazer de viver, de poder engolir o mundo com a boca, enquanto o mundo só pode ser abocanhando dessa forma e é intenso e deve ser intenso antes que mãos e braços, pés e pernas conquistem outros prazeres. E quantos prazeres adquire uma criança que é livre para isso! E como é importante para ela ir à luta em seu desenvolvimento!
Nem consigo imaginar o grau de submissão que vive uma garota de 6 anos chegando da escola e ao contar para a mãe os problemas com as colegas, ganha como consolo a amamentação! Nem Wilhelm Reich poderia ter adivinhado um bom nome para classificar esse tipo de atenção!
Uma criança para além dos três anos de idade em livre demanda, sem receber ensinamento de que o corpo da mãe não pertence a ela, que ela mesma tem seu próprio corpo e tão capaz, está é recebendo investimento em falta de confiança na sua capacidade emocional de buscar consolos não somente orais, mas também orais, em outras fontes com seus braços e pernas já plenos de movimentos voluntários.
Narcisismo materno, é disso que estamos falando, da mãe que se orgulha de amamentar, de ter leite, de aleitar, sem se importar com a evolução da criança. É uma nova maneira de tratar o bebê como objeto da mãe. É duro para a contracultura atual compreender que o desmame gradual, benigno, alegre, inicia com a introdução do primeiro alimento e que a partir da introdução dos novos alimentos, as mamadas devem ser conduzidas pela mãe com respeito máximo, baseadas em observações da evolução do comportamento da criança e de suas necessidades de acordo com sua maturidade emocional, física e cortical, que é igual em todos os continentes, em todas as etnias.
Segundo as releituras mal feitas e mal aplicadas, o bebê ou criança após os três anos larga o peito espontaneamente. Curioso que esse argumento é usado tanto pelas mães que desmamam precocemente antes do primeiro ano de vida da criança, quanto pelas que defendem que a criança em algum momento de sua vida, que pode ser entre 3 e 7 anos ou mais, vai largar por ter outros interesses. Que peso para uma criança de 4 anos, no final da sua fase de provar aos adultos que está tão apta, ter que pedir permissão para não mamar!
É assim que funciona de fato. A mãe que começa a dar papinhas aos 4 meses e introduz mamadeira tenderá a enfrentar um bebê que perde o interesse pelo peito bem antes de compreender que a mãe e ele são seres separados, o vínculo primário da compreensão corporal-cortical é rompido. Há aí precocidade, sem dúvida, de desmame. Por outro lado, a mãe que não ensina o bebê a dormir, a esperar o peito quando ele já está em fase de alimentar-se com sólidos e usa o peito para 9 entre 10 demandas do bebê por consolo e distrações, quando ele já ruma ao segundo ano de vida, está engambelando um bebê apto a brincar e se relacionar de muitas maneiras com ela e com o mundo. Está mantendo a criança em um vínculo primário de afeto.
Desmamar não é desamar, criar uma criança que se sinta segura e amada, não é nem de longe retê-la ao peito, mas pode ser um jeito fácil de não dar atenção adequada para a idade, para a fase em que a criança está. Mais do que isso, é investir em uma relação manipuladora da criança em relação ao corpo materno, dando a ela uma ilusão de simbiose que já não traz satisfação genuína, mas apenas satisfação de controle sobre o corpo da mãe. Que conflito!
Soma-se a isso a moda retrô obrigatória da cama compartilhada também a perder de vista e aí não basta dormir gostoso, com aconchego, tem que plugar a criança a noite inteira, ensinando-a que dormir e mamar é a mesma coisa. Temos o quadro da dor, uma criança que não foi orientada a dormir e sofre toda vez que surge o desplugue no meio da noite. Levanta a mãe para fazer um xixi básico e toma lá um berro no meio da madrugada de um moleque de 3 anos!
Lá na pracinha briga a menina de 3 anos com a amiga e corre para receber o peito, enquanto a mãe da amiga apenas limpa e consola a filha, incentivando-a a voltar a brincar porque ela é capaz, porque ela pode escolher entre outros amigos e outros brinquedos. Quem está sendo mais adequadamente amada? Quem está sendo superprotegida e remetida ao ano anterior do desenvolvimento?
Acreditar que oferecer tudo que a criança quer em objetos é tão ruim quando dar a ela a ilusão de que todas as suas frustrações devem ser atendidas pelo peito materno. Se para um bebê de 5 meses, o máximo de consolo para suas frustrações, por ainda não saber ao menos engatinhar, é mamar para receber abastecimento emocional; para o bebê de 24 meses ganhar o peito ao primeiro mimimi, é remetê-lo a uma fase de inteligência emocional que ele já superou.
O que dizer de mães que fazem isso com crianças de 3 anos!? De que buraco de simbiose estamos falando? Da mãe certamente. Quem está com problemas de separação ao amamentar em livre demanda uma criança de 3 anos é a mãe.
E como falar de desmame gradual, se a criança mama aos 3 anos constantemente? Não há desmame gradual sem condução materna porque a mãe é a adulta na relação. A criança precisa ser conduzida a partir da observação de seu comportamento desde a introdução dos alimentos e cabe à mãe observar seu próprio comportamento de apego ao poder de amamentar.
O desejo genuíno de autonomia de uma criança aparece em muitas atitudes a partir dos 18 meses, mais cedo ou mais tarde ela vai levar e trazer objetos para o colo da mãe demonstrando o quanto está apta, vai exigir diversões, pedir para passear, brincar e pode ser cômodo remetê-la ao peito, na base do toma aí, sossega, que teu prazer é esse e fim! É a mãe que dá, mas não recebe, muito semelhante àquelas que dão mamadeira e chupeta a perder de vista. No fundo livram-se de uma atenção real que a criança requer e é muito mais elaborada do que apenas ser amamentada.
Tratada dessa forma a criança maior começa a sentir-se traída e inicia protestos, como eles não funcionam, ela se submete e conforme desenvolve sua inteligência, passa a brincar de controlar a mãe, pentelhar a mãe cada vez que a vê ocupada. Está feliz e bem atendida uma criança de 3 anos que toda vez que chora ganha peito? Não! Mas ela pára de chorar e pede mamá com mais frequência, estabelecendo um jogo de traição, culpa e sedução com a genitora.
As mães começam a reagir e entram no jogo da raiva, podendo até mesmo estabelecer um desmame abrupto, outras não dão nem ao menos essa opção; apenas colocam o moleque no peito, quando o jogo é manter a simbiose a perder de vista.
Existe data certa para desmamar?
Não, mas existem infinitas datas desde o nascimento que pontuam as capacidades que vão sendo adquiridas pelo bebê. A relação do bebê com o peito pode ser espichada a perder de vista porque a mãe tem esse poder, mas é uma pena que um processo tão belo de simbiose, vínculo reparador para o nascimento e perda do útero se misture tão mal às descobertas que o bebê vai fazendo ao longo de seu desenvolvimento. O desmame é uma fase bonita, longa, prolongada, que pode durar até dois, três anos em movimento constante, educação, orientação, combinados que devem ser respeitados, mas quando desmame significa apenas continuidade da amamentação várias vezes ao dia e a noite inteira, ele deixa de ser processo. É remissão, retenção, falta de confiança na capacidade emocional da criança de se separar um pouquinho só da mãe leiteira para ganhar uma mãe brincante, dona não da criança, mas de seu próprio corpo, respeitadora do corpo, das capacidades de compreensão e da individualidade da criança. Porque a motivação máxima de uma criança entre 2 e 4 anos, a ilusão que deve ser atendida nesse fase, não é mais eu pertenço a você ou você pertence a mim, mas eu sou igual a você e elas vivem repetindo esse mantra em suas palavras: "igal mamãe, igal papai"
Fonte: http://buenaleche-buenaleche.
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bjs,